quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Últimas notícias: Células-tronco de pluripotência no combate ao autismo


Todas as aproximadamente 100 trilhões de células que formam o corpo de um indivíduo adulto surgem a partir de um tipo especial chamado "célula-tronco".
Células-tronco podem ser comparadas a jogadores de futebol. Há os centroavantes, especializados em marcar muitos gols mas que se tivessem que exercer a função de zagueiro não corresponderiam. Esses atletas são equivalentes a células-tronco adultas, capazes de se diferenciar em tecidos específicos mas não em todos.

Jogadores com habilidade para jogar bem nas 11 posições não existem, se existissem certamente seriam mais cobiçados que Kaká ou Cristiano Ronaldo. O equivalente em biologia a esses atletas dos sonhos de qualquer treinador são as células-tronco pluripotentes, extremamente versáteis e capazes de originar todos os tecidos do corpo humano.

Por conta dessa característica, existe uma grande expectativa sobre sua eventual aplicação no tratamento de doenças como Parkinson, diabetes, lesões da medula espinal etc.

Células pluripotentes podem ser isoladas de embriões humanos excedentes de clínicas de fertilização e estudadas em laboratório. Há 11 anos atrás, James Thomson nos Estados Unidos foi o primeiro a fazê-lo.

Em 2007, o cientista japonês Shinya Yamanaka surpreendeu o mundo ao gerar a partir da pele, células-tronco tão versáteis quanto as embrionárias. Foi o equivalente a transformar um peladeiro de final de semana num jogador capaz de ser ao mesmo tempo artilheiro e goleiro menos vazado do Brasileirão, e isso com 30 dias de treinamento, um bom par de tornozeleiras e chuteiras!

Yamanaka reprogramou fibroblastos da pele com a ajuda 4 genes cujos produtos são encontrados exclusivamente nos primeiros estágios do desenvolvimento de embriões. Esse genes foram introduzidos nos núcleos dessas células, transformando-as em células-tronco de pluripotência induzida, conhecidas pelo acrônimo iPS.

Uma verdadeira revolução que abriu perspectivas até então impensadas para as ciências biomédicas. Imagina-se que no futuro essas células reprogramadas poderão ser usadas para criar órgãos sob medida, sem o risco de rejeição. Se isso de fato acontecer um dia, as filas de espera por transplantes convencionais serão extintas. Bastaria retirar um pedaço de pele, transformá-la em células iPS e de acordo com a necessidade específica daquele indivíduo criar peças de reposição para reconstruir um coração, baço, pâncreas ou qualquer outro órgão danificado.

Especulações `a parte, o que podemos afirmar atualmente é que a velocidade com que as pesquisas sobre células iPS avançam é impressionante.

No sábado passado pela manhã, reunimos na FeSBE pesquisadores brasileiros que estudam o assunto. O resultado do simpósio superou as melhores expectativas.

O paulistano Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia, demonstrou que não são mais necessários 4 genes para reprogramar células adultas. Basta um só, o Oct-4. É o equivalente a transformar o nosso peladeiro num exímio centroavante/goleiro sem que precisasse mais das novas tornozeleiras (bastariam os 30 dias de treinamento intensivo e é claro, as chuteiras).

Alysson também mostrou o potencial das células iPS como estratégia para se entender o que acontece no cérebro de pessoas com autismo. Como ele fez isso?

Criou neurônios funcionais (idênticos aos do cérebro) a partir da pele dos pacientes. Comparou-os a neurônios de pessoas normais e constatou que as células nervosas de pessoas autistas têm dificuldade para conversar entre si. Com esse novo modelo, poderá testar remédios capazes de melhorar esse diálogo neural deficiente. Caso demonstrem eficácia no laboratório, poderão eventualmente ser utilizados nos próprios pacientes.

Patrícia Braga, da Universidade de São Paulo criou células iPS a partir da polpa de dente, o que abre perspectivas para estudos mais sofisticados sobre doenças pediátricas de origem genética. Bastaria esperar pela queda do dente de leite da criança afetada para criar células iPS com a capacidade de se transformar em todos os seus tecidos e assim estudar em detalhes sua doença.

Dimas Covas, da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, busca gerar células iPS na expectativa de, no futuro, produzir sangue sob encomenda. O que reduziria a extrema necessidade de nossa sociedade por doações de sangue.

Por último apresentei resultados sobre a utilização de células iPS para a identificação de compostos extraídos de plantas brasileiras com potencial de gerar neurônios. A ideia é desenvolver um potente coquetel capaz de criar células nervosas em grande quantidade a partir de células reprogramadas da pele, o que poderá acelerar pesquisas sobre o desenvolvimento do cérebro.

Na parte da tarde desse mesmo sábado, Koji Tanabe descreveu a estratégia original para a criação das primeiras iPS em Kyoto. O jovem pesquisador da equipe de Shinya Yamanaka contou detalhes que poderão nos ajudar a aumentar a eficiência do processo de reprogramação adotado em nosso laboratório.

Resumos dessas apresentações estão disponíveis na página da FeSBE na internet.

A possibilidade de aplicação médica das células iPS é somente uma aposta mas sua utilização nos laboratórios de todo o mundo para a identificação de medicamentos mais eficazes no tratamento de doenças incuráveis já é uma realidade.

O trabalho pioneiro de Shynia Yamanaka transformou a biologia ao criar a partir da pele células tão eficazes para formar novos órgãos como aquelas derivadas de embriões. Que golaço! Seria ótimo para o Fluminense se encontrasse um técnico com o dom desse japonês.

E você, leitor, como imagina que as pesquisas com as células de pluripotência induzida poderão contribuir para o avanço da biologia e medicina?

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